sábado, 5 de fevereiro de 2011

Post final meio alucinado (derivado ao contrabando inter-continental de malária) cheio de private jokes sem notas de rodapé para explicar

Finalmente em casa, na maior das ronhas, ignorando os turistas de Lisboa a interpretar o mesmo papel de figurantes que nós desempenhámos com talento em Bombaim. Os turistas são figurantes na vida das cidades. Apressados, em busca de ver o máximo e o melhor possível; acordar bem cedo e percorrer ruas e avenidas até cair para o lado. Como nós em Bombaim, embasbacados na grande metrópole - depois de semanas a fugir aos engarrafamentos das cidades contornando-as pelas circulares - turistas empolgados de mochila às costas. Afinal fizemos parte de Bollywood, fomos figurantes num filme onde atravessar a rua e apanhar o comboio para os subúrbios é uma dança coreografada por milhares de figurantes sincronizados. Afinal entrámos neste filme indiano que dava uma viagem. Grande estúdio a céu aberto: autocarros de dois andares, vacas, ratos, edifícios vitorianos, barraquinhas de comida, gente a dormir na rua, gatos, templos, mercados, parques, táxis, revistas para prevenir o terrorismo, executivos, engraxadores, riquexós, mesquitas, navios ao largo, e 15 milhões de figurantes; um filme de grande orçamento!

Só temos as fotografias da nossa odisseia para mostrar ao mundo e à família, alguém se esqueceu de mandar um Camões de laptop no camião TIR de apoio ao riquexó para escrever um livro cheio de cantos com numeração romana e danças do ventre, versos decassilábicos em rima, relatando as conspirações e ajudinhas de deuses gregos, romanos, hindus e muçulmanos a rondar o riquexó púrpura desde o Rajastão a Kerala: a emboscada taliban com fisgas; estendais de roupa no quarto; a apoteótica chegada ao mar depois de mil e muitos quilómetros a comer pó na estrada; populares indiferentes perante os nossos feitos diários e até quartos de hotel com água quente. Fica para a próxima. Mas, de 500 em 500 anos, sempre que um grupo de portugueses se desloca à Índia em viagem de aventura com fins humanitários, como Vasco da Gama e nós os três do riquexó, deveria vir um talentoso narrador para fixar o dia a dia em epopeia e aumentá-la quanto pudesse.

É por estas e por outras que, brevemente, ninguém se lembrará que estivemos um mês no Alaska a plantar 50 hectares de castanheiros, que vistos do espaço fazem a forma de Ganesh e Robin Hood a jogar strip poker, e que havia um blog com conteúdos de qualidade feito pelo Comandante Robles e pela Mariana, apoiados por um webmaster exilado na Ilha de Fernando Pó, apenas ligado por um fio à civilização. O blog, com o sugestivo nome: estamadeiradavaumbelodecknumlodgeàmaneiraemturtlebay.blogspot.com, tinha várias actualizações diárias, e nós fazíamos comentários cómicos a partir de um webcafé de indianos radicados no Alaska desde os anos 80.

Ainda nos falta fechar umas contas, havia um ficheiro no computador mas o tesoureiro abandonou a função assim que entregámos o riquexó em Cochim e foi comer camarões, disse que já não conseguia trabalhar no computador sem ser no treme-treme do tuk-tuk e com o barulho do trânsito, enquanto trocava sms com as outras equipas para informar a localização. Assim perdemos o rasto aos Reais e às Rupias da caixinha, mas alguém tem uns apontamentos a lápis num caderno que caiu numa frigideira com óleo a ferver... É fazer as contas.

Chatearmo-nos mutuamente de vez em quando fez parte da aventura e nós tínhamos que cumprir todos os itens, não podíamos saltar alguns. Estes foram os engasganços do riquexó em quarta velocidade, com origem alojada fora do riquexó, a que a afamada construtora de tuk-tuks: Bajaj, é completamente alheia, e que os marajás e os miúdos de 8 anos deixaram para sermos nós próprios a resolver; facilities não incluídas para quem pede uma extra bed a cada 150 km. O filme indiano com coreografia para 400 breakdancers no viaduto embargado não podia ser só praia e gin com qualquer coisa a fazer de tónica. Faríamos tudo de novo, mas num jeep de alta cilindrada, com as nossas esposas de cabelos ao vento alternando com a burka conforme os costumes religiosos de cada Estado da União Indiana que se vai atravessando, com budget ilimitado e interdição de autocarros de passageiros num raio de 10 km ao redor do nosso jeep dourado cabriolet, 6 velocidades e mainato de origem para por gasolina. Mega-party a meio caminho, no MTDC de Ganapatipule, com os Rufus a vestirem os peregrinos de forma ousada, o gerente do hotel Deepak a dar as condições necessárias, a Beth a fazer demonstração de extreme frizby com os indianos da City de Londres, o Scorpian a assar sardinhas junto ao bungalow de massagens da equipa “Où est La Plage?”, e o Matt e o Kanshan a venderem agendas de 2006, entre muitos outros activistas da aventura infinita.

Dizemos que as viagens são sempre marcantes e quando voltamos à casa de partida somos sempre diferentes do dia em que saímos. Esta não foi excepção e confirmou a regra. Na estrada de sol a sol, num ciclo completo da lua, voltámos diferentes e felizes por termos partilhado essa transformação entre os 3. Aprendemos que arriscar na comida de rua é um petisco comparado com as ultrapassagens nas curvas cegas, e que os animais selvagens que os guias falam são difíceis de ver, mas há uns outros que pesam toneladas, têm quatro ou mais rodas, e vêm-se com frequência pelas estradas da Índia. Aprendemos que as paragens técnicas para carburadores stressados devem ser feitas de forma descontraída. Aprendemos a lavar roupa interior em baldes de plástico, como se fosse a pisa da uva na vindima. E que conseguimos dormir com pessoas de quem gostamos, mesmo que cheirem a águas paradas, backwaters urbanos.
No final ficam as memórias e uma amizade mais masala.

No dia seguinte a chegarmos, um dos 3 do riquexó teve a má sorte de ter que se fazer representar numa reunião de condomínio. Ninguém o merece depois de regressar de uma viagem assim. A vizinha do 3º Esq. perguntou como foi a viagem, mas de tão jet legado e sem paciência para explicar as agruras da estrada NH17, ela recebeu a resposta seca: "foi fixe" e o pensamento: “vai a Bangalore, ver se eu lá estou e adverte-me para ter cuidado”. Vamos mandar emoldurar este post e trazê-lo na carteira para quando os vizinhos de qualquer andar, esquerdo ou direito, nos perguntarem como foi.

Estamos a reunir as ideias, temas que não podem ficar de fora, frases brutais, momentos de glória, imagens marcantes, sensações únicas, gente linda, macadamia 5 star, termos técnicos da mecânica threewheeler em qualquer língua viva ou morta, dialecto ou comunicação gestual sensual, e outras sugestões para um texto que, diz-se, virá a ser publicado numa revista detida por um mogul dos media sobre os feitos e os efeitos da Rickshaw Run Winter2011. Será a oportunidade de ler um texto mais canónico e com quase tudo explicado tintim por tintim.

Embora não pareça, este post foi redigido com o muito cuidado e extrema atenção porque vocês mereciam um post assim: desbragado e quase cómico, embora não façam planos de nos doar nenhum órgão vital. A vossa atenção a este nosso blog deu-nos muito ânimo e alegrias não disponíveis nos bazares, nem humanitariamente fornecidas por ONGs. Obrigado pela amizade e por terem partilhado esta amável aventura em conjunto connosco.

Cabin Crew, ready for take off!!

Love,
Os 3 do riquexó

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